segunda-feira, 2 de maio de 2016

AICEB: Uma História de Amor.(Livro em construção)

CONTINUAÇÃO ...

1. RAÍZES 

1.3 Vida e Obra de Patrício Cavalcante
“As palavras dos justos dão sustento a muitos”.
      (Pv 10:21a)

Por Eva Mills

(Do Livro "Em Lugar do Espinheiro" - Usado com autorização da MICEB)

Em Santa Luzia, uma vila do interior do Maranhão, a notícia de que um estrangeiro trazendo uma nova religião se espalhou rapidamente de casa em casa. Pequenos grupos de mulheres paravam de pilar seu arroz para conversar. "Que faremos?" "Ele está vindo mesmo?" "Tenho medo!" Os homens sentados, como sempre, em precários bancos de madeira chamados tamboretes, encostados às paredes de adobe, discutiam como seria o futuro da vila se realmente este estrangeiro viesse pregar em suas ruas. Em Santa Luzia imperava a superstição e as bruxarias. Havia muitos boatos sobre os "galegos", como eram chamados os estrangeiros. "Eles têm rabo como os animais." "Eles têm parte com o diabo." "Lançam mau-olhado em crianças." "Podem causar danos físicos àqueles que os olham". Cada vez que se repetiam os boatos, outros novos eram acrescentados à lista. "Não vou chegar perto dele," disse alguém. "Se ele vier pregar aqui, ficaremos dentro de casa", disse outro. Eles estavam prontos para se esconder quando ouviram dizer que Perrin Smith estava a caminho, montado em seu burro.
Esta era a primeira visita do missionário canadense a Santa Luzia. Cedo em suas viagens a cavalo, que tiveram início em 1905 depois de estudar a língua no litoral, o evangelista determinado e corajoso ia de roça a roça e depois de vila a vila, nas redondezas de sua residência perto da próspera, mas primitiva cidade de Grajaú. O perímetro de suas viagens aumentava gradativamente à proporção que outros lugarejos eram adicionados ao seu itinerário. Então em 1908 Santa Luzia se tornou seu objetivo. Ele sabia que lá encontraria objeções, problemas e talvez até antipatia do povo, como acontecera em outros lugares dominados por feiticeiros. Mas, o desejo ardente de sua alma era a libertação das vitimas do pecado. Este ideal o mantinha em oração e em vigilância. Grato pela sua competente esposa brasileira, que em sua ausência cuidava da casa, da família e dos trabalhadores da roça, Perrin Smith podia viajar sem preocupação. Ele planejou chegar a Santa Luzia aproximadamente à hora em que os lavradores chegavam em casa no fim do dia. Um desses lavradores, Patrício, por quem ele tinha orado muito, havia se mudado de Grajaú para aquela região. Perrin Smith estava muito interessado em se encontrar com ele.
Quando ainda criança, Patrício Cavalcante havia se mudado com seus pais e parentes da região seca do Ceará para Grajaú, no Maranhão. Ele ainda relembrava os longos dias árduos da viagem, com pouca proteção contra o sol tropical. Atormentados pela sede e quase desprovidos de alimentos, ele e seus familiares caminhavam centenas de quilômetros em direção ao oeste, a procura da terra que lhes haviam dito ser boa; terra chuvosa, onde cresciam frutas; terra promissora de boas colheitas, onde os rios não secavam. A proporção que viajavam notavam mais evidência de vegetação.
Em Grajaú acharam o que procuravam: terra boa para o cultivo, além de muitos outros benefícios. Poderiam plantar e esperar pela chuva em dezembro. Arroz, milho e feijão eram cultivados em abundância e o povo era amigo e prestativo. Havia frutas em grande quantidade: mangas, abacates e cajus abundavam ao lado de bananas e laranjas. Ali eles se estabeleceram e viviam satisfeitos. Ali, também, ouviram o evangelho e embora, a princípio, a família não se mostrasse muito interessada na pregação do estrangeiro, observavam quão paciente e persistentemente Perrin Smith lançava a semente da verdade bíblica.
Certo dia Patrício trouxe para casa um Novo Testamento oferecido pelo missionário canadense. Temeroso de que sua família fosse contaminada pelo que dizia as páginas daquele livro, Patrício o escondeu no paiol de arroz. Mas, a curiosidade foi mais forte e sempre que havia uma oportunidade, Patrício ia até lá para ver o que estava contido naquelas páginas. Com sua pouca instrução, Patrício tropeçava em não poucas palavras, mas a mensagem era clara é logo ele próprio estava convencido da verdade daquele livro e encorajava o resto da família a lê-Io.   
Patrício casou-se com Ana em 1908 e foram morar em Santa Luzia. Eles não tinham visto Perrin Smith desde que se mudaram de Grajaú. Mas, agora a notícia de que o missionário estava para chegar enchia seu coração de alegria. Ansiava por ouvir mais sobre o caminho da salvação, pois nada em Santa Luzia havia que pudesse satisfazer este anseio. Patrício assistiu a sua chegada saudando-o calorosamente. Uns poucos interessados e curiosos se aproximaram para ver o que o missionário tinha para oferecer. Sua maneira amistosa, seu desejo de ajudá-los e sua simplicidade cativaram o coração do povo.
A visita de Perrin Smith foi curta. Ele tinha outros povoados para visitar, mas prometeu voltar breve. Santa Luzia não ficava muito distante de Grajaú onde morava. A ansiedade de Patrício por mais conhecimento da verdade encorajou Smith voltar e visitá-lo com mais freqüência. Foi um dia muito feliz quando Patrício fez sua profissão de fé em Cristo e foi batizado.
Enquanto trabalhava em seu banco de carpinteiro o jovem, agora crente, cantava os hinos que o missionário lhe ensinara. Em sua profunda voz de baixo as melodias simples se espalhavam para que outros as ouvissem. Um ardente desejo de pregar a verdade, que já começava a transformar sua vida, ocupava seus pensamentos dia após dia. Ele queria ser uma testemunha real como Perrin Smith. Um grande empecilho, entretanto, martirizava sua alma. Precisava estudar bem sua Bíblia, aprender hinos e para isso precisava ler bem. Já fazia sete anos que Perrin Smith o visitou pela primeira vez e agora Patrício estava com trinta e dois anos de idade. Tinha vários filhos, e outro prestes a chegar. "Estas crianças terão que aprender a ler enquanto jovens," dizia ele com determinação. Seria muito mais fácil para ele se houvesse aprendido a ler quando era criança.
Patrício passou por severa provação quando dois de seus filhos adoeceram e morreram com poucas horas de diferença um do outro. Leôncio, seu filho mais velho, morreu com sete anos e Séfora, com seis. Com suas próprias mãos ele construiu um caixãozinho e os enterrou juntos. Entre muitas lágrimas, a fé daqueles pais foi severamente provada pela perda das duas amáveis crianças. Já haviam perdido dois ou três bebês prematuramente. Estes não viveram nem o suficiente para receber nomes. A taxa de mortalidade infantil era muito elevada no sertão onde a assistência médica estava a quilômetros de distância e o único meio de transporte era o animal. Não raro se ouvia o lamento triste e sem esperança de famílias enlutadas. E como poderia ser de outra forma? Sem Cristo não pode haver qualquer conforto nas tragédias.
Patrício, alimentando-se dia a dia do conhecimento da Palavra e tendo experimentado pessoalmente a perda de entes queridos, tornou-se a luz de Santa Luzia. Ele sabia como confortar os tristes e aflitos e aqueles que haviam recebido Cristo como Salvador se voltavam para ele em busca de ajuda. Sua voz forte e profunda tornava os hinos mais fáceis de serem aprendidos. Ele começou a harmonizar hinos mais simples e ensinou outros a fazer o mesmo. Seu talento musical era bem apreciado e atraía muitos para os cultos realizados em sua casa.
Ana, vendo que seu marido havia superado as tragédias que lhes sucederam pelo poder de Cristo; vendo a alegria e paz que lhe advieram deste poder; vendo sua fé e firmes convicções, logo se decidiu ao lado de Cristo e foi batizada. Nesta época Perrin Smith já estava morando em Barra do Corda, continuando o trabalho que João Batista, o evangelista aleijado, havia deixado em suas mãos. Todos os anos, durante a estação seca que ia de maio até novembro, ele visitava os quinze vilarejos ao redor de Grajaú, sempre incluindo Santa Luzia em seu roteiro, onde era muito bem recebido por um pequeno grupo de crentes assistido por Patrício.
Certa manhã Patrício deixou sua carpintaria dizendo à sua esposa que ia para o mato e só estaria de volta ao entardecer. Em seu coração havia um grande desejo de se manter em comunhão com Deus, orando ininterruptamente, para se preparar melhor para o ministério do Senhor com o pequeno conhecimento que possuía de sua Palavra. Como sua carpintaria ficava no caminho mais usado na vila, sempre havia pessoas que paravam para conversar. Assim sendo, as interrupções eram muitas. Patrício tinha um pedido a fazer a seu Senhor. E lá, na quietude da floresta, ele estaria a sós com Deus. Horas se passaram. Patrício não sentia o calor do sol nem o desconforto das picadas das mutucas. Nessa quietude que o cercava, Patrício falou ao Senhor sobre as criancinhas que havia perdido; sobre o desejo de educar seus filhos para servi-lo, para serem suas testemunhas. Sua prece era real, sincera, vibrante, nascida de um desejo intenso de tornar Cristo conhecido naquele vasto interior do norte do Brasil.
Naquela tarde, ao regressar, Patrício sentiu que Deus lhe haveria de dar quatro filhos que seriam mensageiros das Boas Novas e ele cuidaria para que fossem bem preparados para desempenhar esta grande missão. Ao todo, Patrício e Ana tiveram dezesseis filhos. Os primeiros dez morreram quando bebês ou em tenra infância. Quatro morreram antes de receber nomes, e Priscila, a nona, só viveu nove anos. A fé de Patrício sofreu duros reveses na perda destas crianças. Quando elas ficavam doentes não havia nem médicos nem enfermeiras que pudessem ajudar. "Meu Deus é fiel" disse ele a Ana certo dia. "Eu sei que os quatro que ele prometeu viverão para serem suas testemunhas. Eles viverão e crescerão fortes e vão se preparar para o serviço que Deus tem planejado para eles." Patrício sabia que os filhos que perdera já estavam com Deus. E disse a Ana; "O Senhor sabe o que faz.”  A fé que Patrício demonstrava nas circunstâncias trágicas de sua vida o tornava uma testemunha fiel em sua comunidade. Todos observavam seu testemunho e sua vida era sem mácula.  Mas, conforme Deus havia lhe prometido, nasceram e sobreviveram quatro filhos: Lydia, Joel, Floripes e Moisés.
Em uma de suas visitas a Santa Luzia Perrin Smith falou a Patrício sobre a possibilidade dele ir auxiliá-lo em Barra do Corda. O trabalho lá estava crescendo e ele precisava de alguém como Patrício para ajudá-lo. Juntos eles oraram sobre a mudança e não muito tempo dali, estava Patrício levando sua família e bens carregados por animal, para Barra do Corda. Sob a direção de Perrin Smith, Patrício cresceu tanto no conhecimento da Palavra quanto na experiência do evangelismo e da implantação de igrejas. Seu ministério o levou além de Barra do Corda, onde muitos vieram a conhecer o Senhor e se juntaram às pequenas congregações já formadas.
Em 1928, Patrício estava de mudança para uma região mais necessitada, depois de ter trabalhado durante oito anos sob a orientação de Smith. Ele tinha sido uma grande ajuda para o missionário canadense, mas agora sua presença se fazia mais necessária em Picos, atualmente a cidade de Colinas, pequena vila localizada às margens do Rio Itapecurú, que era sempre visitada por Smith em suas incansáveis viagens pelo interior. Foi decidido que Patrício se estabeleceria lá como evangelista. Em Picos a vida de Patrício estava sendo uma luz brilhante, não só na vila onde uma igreja foi organizada, mas também nos lugarejos das vizinhanças dessa comunidade em desenvolvimento. E foi em Chapadinha, um desses lugarejos, que Patrício pregou a mensagem que levou sua filha mais velha, Lydia, então com quase 15 anos, a se preocupar com a sua própria necessidade de salvação.
Reuniam-se muitos desses núcleos nas grandes convenções anuais em Picos, onde tanto Patrício como Perrin Smith pregavam incansavelmente. A fé de Patrício nunca parecia esmorecer. Ele havia aprendido através de duras experiências que Deus nunca falha.  E que sempre cumpre com suas promessas. Este testemunho ajudou a pequena igreja de Picos se tornasse forte. Seus filhos também aprenderam a confiar no Deus de seu pai.
Após um ministério frutífero em Barra do Corda onde trabalhou, mais especificamente, com a equipe do Instituto Bíblico, Patrício foi chamado para seu lar celestial em 1943. Seu trabalho aqui entre nós terminara. Em Lydia, sua filha mais velha ele viu a primeira parte de sua oração cumprida: ela já estava lecionando no Instituto Bíblico quando ele morreu. Ele confiava a Deus os outros três filhos da promessa que Deus lhe fizera muitos anos atrás. Aqueles dentre nós que o conheceram bem, podem dizer de Patrício. "Os lábios do justo apascentam a muitos" (Pv 10:21).



[1] Cópia do Livro “Em Lugar do Espinheiro” pg. 9-16, de Eva Mills, autorizada pela MICEB.

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