AICEB: Uma História de Amor.(Livro em construção)
CONTINUAÇÃO ...
1. RAÍZES
1.3 Vida e Obra de Patrício
Cavalcante
“As palavras dos justos dão sustento a muitos”.
(Pv 10:21a)
Por Eva Mills
(Do Livro "Em Lugar do Espinheiro" - Usado com autorização da MICEB)
Em
Santa Luzia, uma vila do interior do Maranhão, a notícia de que um estrangeiro
trazendo uma nova religião se espalhou rapidamente de casa em casa. Pequenos
grupos de mulheres paravam de pilar seu arroz para conversar. "Que
faremos?" "Ele está vindo mesmo?" "Tenho medo!" Os
homens sentados, como sempre, em precários bancos de madeira chamados
tamboretes, encostados às paredes de adobe, discutiam como seria o futuro da
vila se realmente este estrangeiro viesse pregar em suas ruas. Em Santa Luzia
imperava a superstição e as bruxarias. Havia muitos boatos sobre os
"galegos", como eram chamados os estrangeiros. "Eles têm rabo
como os animais." "Eles têm parte com o diabo." "Lançam
mau-olhado em crianças." "Podem causar danos físicos àqueles que os
olham". Cada vez que se repetiam os boatos, outros novos eram
acrescentados à lista. "Não vou chegar perto dele," disse alguém.
"Se ele vier pregar aqui, ficaremos dentro de casa", disse outro.
Eles estavam prontos para se esconder quando ouviram dizer que Perrin Smith
estava a caminho, montado em seu burro.
Esta
era a primeira visita do missionário canadense a Santa Luzia. Cedo em suas
viagens a cavalo, que tiveram início em 1905 depois de estudar a língua no
litoral, o evangelista determinado e corajoso ia de roça a roça e depois de
vila a vila, nas redondezas de sua residência perto da próspera, mas primitiva
cidade de Grajaú. O perímetro de suas viagens aumentava gradativamente à
proporção que outros lugarejos eram adicionados ao seu itinerário. Então em
1908 Santa Luzia se tornou seu objetivo. Ele sabia que lá encontraria objeções,
problemas e talvez até antipatia do povo, como acontecera em outros lugares
dominados por feiticeiros. Mas, o desejo ardente de sua alma era a libertação
das vitimas do pecado. Este ideal o mantinha em oração e em vigilância. Grato
pela sua competente esposa brasileira, que em sua ausência cuidava da casa, da
família e dos trabalhadores da roça, Perrin Smith podia viajar sem preocupação.
Ele planejou chegar a Santa Luzia aproximadamente à hora em que os lavradores
chegavam em casa no fim do dia. Um desses lavradores, Patrício, por quem ele
tinha orado muito, havia se mudado de Grajaú para aquela região. Perrin Smith
estava muito interessado em se encontrar com ele.
Quando
ainda criança, Patrício Cavalcante havia se mudado com seus pais e parentes da
região seca do Ceará para Grajaú, no Maranhão. Ele ainda relembrava os longos
dias árduos da viagem, com pouca proteção contra o sol tropical. Atormentados
pela sede e quase desprovidos de alimentos, ele e seus familiares caminhavam
centenas de quilômetros em direção ao oeste, a procura da terra que lhes haviam
dito ser boa; terra chuvosa, onde cresciam frutas; terra promissora de boas
colheitas, onde os rios não secavam. A proporção que viajavam notavam mais
evidência de vegetação.
Em
Grajaú acharam o que procuravam: terra boa para o cultivo, além de muitos
outros benefícios. Poderiam plantar e esperar pela chuva em dezembro. Arroz,
milho e feijão eram cultivados em abundância e o povo era amigo e prestativo.
Havia frutas em grande quantidade: mangas, abacates e cajus abundavam ao lado
de bananas e laranjas. Ali eles se estabeleceram e viviam satisfeitos. Ali,
também, ouviram o evangelho e embora, a princípio, a família não se mostrasse
muito interessada na pregação do estrangeiro, observavam quão paciente e
persistentemente Perrin Smith lançava a semente da verdade bíblica.
Certo
dia Patrício trouxe para casa um Novo Testamento oferecido pelo missionário
canadense. Temeroso de que sua família fosse contaminada pelo que dizia as
páginas daquele livro, Patrício o escondeu no paiol de arroz. Mas, a
curiosidade foi mais forte e sempre que havia uma oportunidade, Patrício ia até
lá para ver o que estava contido naquelas páginas. Com sua pouca instrução,
Patrício tropeçava em não poucas palavras, mas a mensagem era clara é logo ele
próprio estava convencido da verdade daquele livro e encorajava o resto da
família a lê-Io.
Patrício
casou-se com Ana em 1908 e foram morar em Santa Luzia. Eles não tinham visto
Perrin Smith desde que se mudaram de Grajaú. Mas, agora a notícia de que o
missionário estava para chegar enchia seu coração de alegria. Ansiava por ouvir
mais sobre o caminho da salvação, pois nada em Santa Luzia havia que pudesse
satisfazer este anseio. Patrício assistiu a sua chegada saudando-o
calorosamente. Uns poucos interessados e curiosos se aproximaram para ver o que
o missionário tinha para oferecer. Sua maneira amistosa, seu desejo de ajudá-los
e sua simplicidade cativaram o coração do povo.
A
visita de Perrin Smith foi curta. Ele tinha outros povoados para visitar, mas
prometeu voltar breve. Santa Luzia não ficava muito distante de Grajaú onde
morava. A ansiedade de Patrício por mais conhecimento da verdade encorajou
Smith voltar e visitá-lo com mais freqüência. Foi um dia muito feliz quando
Patrício fez sua profissão de fé em Cristo e foi batizado.
Enquanto
trabalhava em seu banco de carpinteiro o jovem, agora crente, cantava os hinos
que o missionário lhe ensinara. Em sua profunda voz de baixo as melodias
simples se espalhavam para que outros as ouvissem. Um ardente desejo de pregar
a verdade, que já começava a transformar sua vida, ocupava seus pensamentos dia
após dia. Ele queria ser uma testemunha real como Perrin Smith. Um grande
empecilho, entretanto, martirizava sua alma. Precisava estudar bem sua Bíblia,
aprender hinos e para isso precisava ler bem. Já fazia sete anos que Perrin
Smith o visitou pela primeira vez e agora Patrício estava com trinta e dois
anos de idade. Tinha vários filhos, e outro prestes a chegar. "Estas
crianças terão que aprender a ler enquanto jovens," dizia ele com
determinação. Seria muito mais fácil para ele se houvesse aprendido a ler
quando era criança.
Patrício
passou por severa provação quando dois de seus filhos adoeceram e morreram com
poucas horas de diferença um do outro. Leôncio, seu filho mais velho, morreu
com sete anos e Séfora, com seis. Com suas próprias mãos ele construiu um
caixãozinho e os enterrou juntos. Entre muitas lágrimas, a fé daqueles pais foi
severamente provada pela perda das duas amáveis crianças. Já haviam perdido
dois ou três bebês prematuramente. Estes não viveram nem o suficiente para
receber nomes. A taxa de mortalidade infantil era muito elevada no sertão onde
a assistência médica estava a quilômetros de distância e o único meio de
transporte era o animal. Não raro se ouvia o lamento triste e sem esperança de
famílias enlutadas. E como poderia ser de outra forma? Sem Cristo não pode
haver qualquer conforto nas tragédias.
Patrício,
alimentando-se dia a dia do conhecimento da Palavra e tendo experimentado
pessoalmente a perda de entes queridos, tornou-se a luz de Santa Luzia. Ele
sabia como confortar os tristes e aflitos e aqueles que haviam recebido Cristo
como Salvador se voltavam para ele em busca de ajuda. Sua voz forte e profunda
tornava os hinos mais fáceis de serem aprendidos. Ele começou a harmonizar
hinos mais simples e ensinou outros a fazer o mesmo. Seu talento musical era
bem apreciado e atraía muitos para os cultos realizados em sua casa.
Ana,
vendo que seu marido havia superado as tragédias que lhes sucederam pelo poder
de Cristo; vendo a alegria e paz que lhe advieram deste poder; vendo sua fé e
firmes convicções, logo se decidiu ao lado de Cristo e foi batizada. Nesta
época Perrin Smith já estava morando em Barra do Corda, continuando o trabalho
que João Batista, o evangelista aleijado, havia deixado em suas mãos. Todos os
anos, durante a estação seca que ia de maio até novembro, ele visitava os
quinze vilarejos ao redor de Grajaú, sempre incluindo Santa Luzia em seu
roteiro, onde era muito bem recebido por um pequeno grupo de crentes assistido
por Patrício.
Certa
manhã Patrício deixou sua carpintaria dizendo à sua esposa que ia para o mato e
só estaria de volta ao entardecer. Em seu coração havia um grande desejo de se
manter em comunhão com Deus, orando ininterruptamente, para se preparar melhor
para o ministério do Senhor com o pequeno conhecimento que possuía de sua
Palavra. Como sua carpintaria ficava no caminho mais usado na vila, sempre
havia pessoas que paravam para conversar. Assim sendo, as interrupções eram
muitas. Patrício tinha um pedido a fazer a seu Senhor. E lá, na quietude da
floresta, ele estaria a sós com Deus. Horas se passaram. Patrício não sentia o
calor do sol nem o desconforto das picadas das mutucas. Nessa quietude que o
cercava, Patrício falou ao Senhor sobre as criancinhas que havia perdido; sobre
o desejo de educar seus filhos para servi-lo, para serem suas testemunhas. Sua
prece era real, sincera, vibrante, nascida de um desejo intenso de tornar
Cristo conhecido naquele vasto interior do norte do Brasil.
Naquela
tarde, ao regressar, Patrício sentiu que Deus lhe haveria de dar quatro filhos
que seriam mensageiros das Boas Novas e ele cuidaria para que fossem bem
preparados para desempenhar esta grande missão. Ao todo, Patrício e Ana tiveram
dezesseis filhos. Os primeiros dez morreram quando bebês ou em tenra infância.
Quatro morreram antes de receber nomes, e Priscila, a nona, só viveu nove anos.
A fé de Patrício sofreu duros reveses na perda destas crianças. Quando elas
ficavam doentes não havia nem médicos nem enfermeiras que pudessem ajudar.
"Meu Deus é fiel" disse ele a Ana certo dia. "Eu sei que os
quatro que ele prometeu viverão para serem suas testemunhas. Eles viverão e
crescerão fortes e vão se preparar para o serviço que Deus tem planejado para
eles." Patrício sabia que os filhos que perdera já estavam com Deus. E
disse a Ana; "O Senhor sabe o que faz.”
A fé que Patrício demonstrava nas circunstâncias trágicas de sua vida o
tornava uma testemunha fiel em sua comunidade. Todos observavam seu testemunho
e sua vida era sem mácula. Mas, conforme
Deus havia lhe prometido, nasceram e sobreviveram quatro filhos: Lydia, Joel, Floripes e Moisés.
Em
uma de suas visitas a Santa Luzia Perrin Smith falou a Patrício sobre a
possibilidade dele ir auxiliá-lo em Barra do Corda. O trabalho lá estava
crescendo e ele precisava de alguém como Patrício para ajudá-lo. Juntos eles
oraram sobre a mudança e não muito tempo dali, estava Patrício levando sua
família e bens carregados por animal, para Barra do Corda. Sob a direção de
Perrin Smith, Patrício cresceu tanto no conhecimento da Palavra quanto na
experiência do evangelismo e da implantação de igrejas. Seu ministério o levou
além de Barra do Corda, onde muitos vieram a conhecer o Senhor e se juntaram às
pequenas congregações já formadas.
Em
1928, Patrício estava de mudança para uma região mais necessitada, depois de
ter trabalhado durante oito anos sob a orientação de Smith. Ele tinha sido uma
grande ajuda para o missionário canadense, mas agora sua presença se fazia mais
necessária em Picos, atualmente a cidade de Colinas, pequena vila localizada às
margens do Rio Itapecurú, que era sempre visitada por Smith em suas incansáveis
viagens pelo interior. Foi decidido que Patrício se estabeleceria lá como
evangelista. Em Picos a vida de Patrício estava sendo uma luz brilhante, não só
na vila onde uma igreja foi organizada, mas também nos lugarejos das
vizinhanças dessa comunidade em desenvolvimento. E foi em Chapadinha, um desses
lugarejos, que Patrício pregou a mensagem que levou sua filha mais velha,
Lydia, então com quase 15 anos, a se preocupar com a sua própria necessidade de
salvação.
Reuniam-se
muitos desses núcleos nas grandes convenções anuais em Picos, onde tanto
Patrício como Perrin Smith pregavam incansavelmente. A fé de Patrício nunca
parecia esmorecer. Ele havia aprendido através de duras experiências que Deus
nunca falha. E que sempre cumpre com
suas promessas. Este testemunho ajudou a pequena igreja de Picos se tornasse
forte. Seus filhos também aprenderam a confiar no Deus de seu pai.
Após
um ministério frutífero em Barra do Corda onde trabalhou, mais especificamente,
com a equipe do Instituto Bíblico, Patrício foi chamado para seu lar celestial
em 1943. Seu trabalho aqui entre nós terminara. Em Lydia, sua filha mais velha
ele viu a primeira parte de sua oração cumprida: ela já estava lecionando no Instituto
Bíblico quando ele morreu. Ele confiava a Deus os outros três filhos da
promessa que Deus lhe fizera muitos anos atrás. Aqueles dentre nós que o
conheceram bem, podem dizer de Patrício. "Os lábios do justo apascentam a
muitos" (Pv 10:21).
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